Voltar para notícias · 27 abril, 2016

Últimos depoentes dizem que Cimi causou divisão e mudança cultural entre os indígenas

A última oitiva da Comissão Parlamentar de Inquérito que investiga a atuação do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) em Mato Grosso do Sul foi marcada pelo desabafo de dois indígenas que acompanharam de perto as mudanças ocorridas nas comunidades desde a chegada do Cimi e de outros organismos.

Decepcionados e preocupados com os conflitos por terras e, principalmente, com o futuro dos povos indígenas, o professor e doutor Wanderley Dias Cardoso e a cacique Enir da Silva Bezerra destacaram que o Conselho do Povo Terena, formado por membros do Cimi, não tem o apoio da maioria dos terenas e que, além de ter tirado a autoridade dos caciques, está causando divisão dentro das aldeias

Natural da Aldeia Limão Verde, em Aquidauana, Wanderley Dias Cardoso é Doutor em História pela PUC do Rio Grande do Sul. Foi coordenador da Fundação Nacional do Índio (Funai) de 2004 a 2007 e atualmente trabalha como professor em várias aldeias do Estado. 

Em sua fala ele afirmou que o Conselho do Povo Terena é como se fosse um braço do Cimi, já que está ligado ao organismo. “O Cimi tem tido uma força política muito grande, não só em Mato Grosso do Sul, mas em todo o Brasil. A minha fala aqui é de alguém que é pesquisador e que trabalhou na administração pública. As políticas do Cimi confundem-se muito com a política nacional”, disse. 

Wanderley relatou que assim como outros indígenas, passou por muitas dificuldades até conseguir concluir os estudos, e ao contrário de muitos patrícios, resolveu voltar para ajudar seu povo. Como coordenador da Funai em Mato Grosso do Sul tentou preservar a cultura indígena, garantindo, sobretudo a autonomia dos caciques, o que segundo ele já não é mais respeitado desde a criação do Conselho Terena. 

“No final de 2007 sai da Funai por conta do doutorado, mas conclui e voltei. Nesses últimos anos me parece que há um pessoal totalmente despreparado dentro do Cimi. A gente começa a sentir na pele de maneira indireta, quase que o caos. Falo do que vem acontecendo nas aldeias de surgirem vários caciques em uma mesma aldeia. Quando eu saí da Funai era um cacique para cada aldeia. Agora, quando voltei, tem mais de um cacique e ainda criaram o Conselho Terena. A nossa autoridade máxima é o cacique, porque passa por um processo de eleição. Na época que eu estava na Funai raras aldeias não tinham eleição. Mas o que está escrito naquele documento é que o cacique não é mais autoridade máxima. Isso é muito grave”, declarou se referindo à ata de criação do Conselho Terena. 

Wanderley também denunciou mudanças na emissão de certidão de indígenas, que só eram feitas após autorização dos caciques e que agora é feita exclusivamente pelo Conselho Terena. 

De acordo com ele essa mudança de liderança também influenciou na saúde e educação. Algumas escolas iniciaram o ano letivo com quase três meses de atraso e a troca de coordenador do Distrito de Saúde Especial Indígena (Dsei) não foi consenso entre os terenas. 

“Essa medida de forças pode levar ao caos. Eu comecei a entender que algumas pautas deste Conselho não são montadas pelos índios. Hoje eu diria que o Conselho Terena faz quase o trabalho do governo, porque agora eles falam em nome dos povos do pantanal, mas a assembleia terena não nos representa”, afirmou. 

O indígena apresentou uma carta assinada por vários caciques que relata a atuação do Conselho Terena. Sobre a atuação do Cimi disse ainda que não presenciou incitação nem repasse de recursos para invasões, mas acredita que o Cimi influencia sim os indígenas. “Com relação à influência isso está muito claro. Qualquer apoio é bem vindo. Mas, precisamos respeitar os nossos espaços e é isso que o povo indígena precisa. Uma coisa que não podemos é colocar produtores versos índios, porque nós também somos produtores. Sempre na busca de diálogo com responsabilidade. Temos que resolver a questão da saúde, educação, questão fundiária e ter projetos. Queremos e temos avançado muito”, finalizou. 

Assim como Wanderley a cacique Enir da Silva Bezerra também lamentou a divisão dos povos terenas e a extinção dos caciques. Enir já havia sido convocada para depor, mas não compareceu por motivos de saúde. Hoje, mesmo sob cuidados médicos, ela assistiu a última reunião da CPI e pediu para usar a palavra. 

Em seu breve depoimento relembrou a luta dos povos indígenas e falou da tristeza que sente em ver parte da cultura do seu povo, que é a existência dos caciques, sendo desvalorizada. 

“Nós temos as nossas divergências e eu falo que são as divergências culturais, internas da população. Mas eu vou discutir com a minha comunidade. O processo político não faz parte da nossa cultura. O que faz parte são a nossa sabedoria e a nossa política. Sabemos resolver. Que somos vítimas sabemos. Somos usados. Isso que estou colocando para vocês é muito forte entre os índios. A comunidade só é valorizada quando a gente participa. Não é fácil a solução, não é fácil a discussão, mas eu acho que não é caso perdido. Quero viver para ver a vitoria não só dos índios, mas do fazendeiros também”, relatou. 

Ao final da reunião o relator da CPI deputado Paulo Corrêa propôs a realização de uma audiência pública com os 44 caciques de Mato Grosso do Sul para discutir os principais problemas das aldeias.

“É muito forte isso que eles falaram aqui. Existem no Estado 44 caciques de várias etnias. Daí inventaram esse Conselho Terena que quer substituir essa autoridade dos caciques. Essa mudança atingiu saúde, educação e está causando conflitos dentro das aldeias. Isso mostra que o Cimi está sim influenciando nas aldeias. Temos que unir forças para beneficiar os índios, que são os mais prejudicados nessa história toda”, declarou o relator

Essa foi a última oitiva da Comissão Parlamentar de Inquérito que investiga a responsabilidade do Conselho Indigenista Missionário na incitação e financiamento de invasão de propriedades particulares no Estado.

No próximo dia 11 a comissão deve apresentar o relatório final que será votado pelos membros e encaminhado aos órgãos competentes. 

Texto: Edilene Borges

Foto: Wagner Guimarães

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